Não estive presente no Festival S. João Bosco 2024 organizado pelo Clube Ilusionista Fenianos (Secção de Ilusionismo do Clube Fenianos Portuenses), mas um amigo teve a gentileza de me oferecer um exemplar do livro “65 Anos de Ilusionismo no C.I.F.” cujo autor é José António Salazar Ribeiro “Salazars”.
Foi, portanto, com o interesse próprio de quem viveu muitos bons momentos no âmbito de tal instituição, que me embrenhei na leitura do citado livro, disposto a “saborear” as suas 77 páginas que (imaginava eu…) teriam sido preenchidas com conteúdos verdadeiros e capazes de fazer jus a uma vida de 65 anos sempre a lutar pela dignificação do Ilusionismo.
A leitura foi célere, pois muito do conteúdo é aquilo que habitualmente se designa “palha para gastar tinta a encher papel” e a conclusão final foi: “QUE GRANDE DESILUSÃO!…”
Mais adiante farei uma análise à maioria dos erros que encontrei em tal publicação, mas, para já, apetece-me enunciar duas conclusões inevitáveis que um qualquer leitor (não integrado nos meandros do Ilusionismo) tiraria da leitura atenta do referido livro.
1ª conclusão:
O evento mais importante da história de 65 anos do C.I.F foi o facto das Sras. D. Madalena Salazar e D. Zita Reis Boal terem organizado o espólio da secção de Ilusionismo do Clube Fenianos Portuenses.
2ª conclusão:
Em 65 anos de vida do C.I.F. apenas faleceu a mãe de um sócio. O que se pode extrapolar para uma de duas situações: ou os ilusionistas que entram no C.I.F são órfãos ou as mães dos ilusionistas têm uma longevidade muito superior ao normal.
A seu tempo perceberão as razões de tais inevitáveis conclusões. Para uma melhor percepção dos pontos negativos que encontrei na publicação irei fazer uma análise individualizada de cada capítulo. Mas, antes disso, vou referir um erro que nada tem a ver com o conteúdo do livro, mas sim com a falta de conteúdo do mesmo. Na realidade, no verso da página 27, está impressa, de novo, a página 27!… E após a página 27 (bis) vem a página 29. Falta portanto o conteúdo do que deveria ser a página 28, o qual corresponderia, essencialmente, ao relatório relativo ao ano de 1966. Um tremendo erro de falta de cuidado na paginação e também da revisão da publicação.
Passemos, então, à análise dos diversos capítulos que merecem reparo.
Capítulo 1 – Resumo
Apenas quero realçar que é dito “Neste opúsculo, sem querer ser exaustivo, deitei mão ao presentemente acessível, em termos de informação e documentação, sabendo que sendo tão rica a história do CIF, por certo haveriam de acontecer involuntárias lacunas, as quais previamente salvaguardo” (sic).
É evidente que involuntárias lacunas é algo perfeitamente admissível num trabalho deste género. Mas outra coisa totalmente diferente são as lacunas por falta de empenho e rigor na busca e consulta de informação existente.
Capítulo 3 – 65 Anos num passe de Varinha Mágica
A “Breve História” contida neste capítulo corresponde a uma tradução quase integral da página da MAGICPEDIA referenciada, no rodapé da página 9, como fonte #1.
Para mim é indubitável concluir que o “comodismo” tido na elaboração deste trabalho chegou ao ponto de se traduzir um conteúdo escrito em inglês, o qual enferma de inúmeros erros e omissões, nomeadamente:
- Não referir todos os Congressos Mundiais da FISM, nos quais o CIF esteve representado. De memória, lembro-me que o CIF esteve representado na FISM1988 (Den Haag) e na FISM1991 (Lausanne), porque estive presente em tais eventos.
- Também é errado (porque é mentira!) dizer que dois membros do CIF foram premiados na FISM2006. Quer o Helder Guimarães quer o David Sousa concorreram com o aval da API (Associação Portuguesa de Ilusionismo). Desconheço se o David Sousa alguma vez foi sócio efectivo do Clube Fenianos Portuenses (e, portanto, membro da respectiva secção de Ilusionismo), mas sei que o meu filho Helder Guimarães, à data da realização do congresso FISM de Estocolmo já não era associado do Clube Fenianos Portuenses. Será que, ao “capitalizar” para si os sucessos do Helder Guimarães e do David Sousa na FISM estará o CIF a “reforçar” a “longa e fraterna relação com a API – Associação Portuguesa de Ilusionismo” como, mais adiante é referido?
- É referido “Em 2009, a Direcção conjuntamente com Madalena Salazar e Zita Reis Boal, encarregam-se da recuperação e inventariação de todo o espólio da Biblioteca e demais acervo da Sala-Museu do CIF.” (Nota: 1ª referência a este assunto.)
- A referência aos ilusionistas estrangeiros que passaram pelo CIF enferma de diversos erros nos nomes apresentados. A título de exemplo refiro Jean Charles (correcto seria Jean Carles), Jarry Darlenne (correcto seria Jerry Darnelle), Chade Long (correcto seria Chad Long), Artur Ascanio (correcto seria Arturo Ascanio), Thom Person (correcto seria Thom Peterson), Richard & Lara Jarmin (correcto seria Richard & Lara Jarmain) e Kiko Pasteur (correcto seria Kiko Pastur).
- No último parágrafo deste capítulo é dado destaque à actual direcção do CIF, referindo, de passagem outros nomes que foram, anteriormente, também directores. É evidente que aqui haveria sempre lugar a uma ou outra omissão, mas acho que são demasiadas as omissões, o que reforça a minha ideia de um trabalho “feito em cima do joelho”…. Não refiro esta situação por estar melindrado visto o meu nome ter sido “esquecido”, mas por entender que nomes como João Marques Pinto, Magalhães Aguiar ou Manuel da Costa não deveriam sê-lo!
Capitulo 4 – Fundação do CIF – Clube Ilusionista Fenianos
A fotografia que encima este capítulo apresenta, inexplicavelmente, dois pontos de interrogação em substituição do que seria a correcta identificação de duas pessoas. Digo e repito: inexplicavelmente!
Esta fotografia esteve presente em exposição na sala do CIF durante o evento OPEN HOUSE 2018 e a ela me refiro aqui. Na altura a fotografia tinha a legenda “Fundadores”. Tive oportunidade de, em conversa com Ana Maria Meixieira, identificar, de imediato, Armindo de Matos, Pires de Carvalho e Eduardo Franco. No entanto, o quarto elemento em destaque na fotografia permanecia, para mim, como um desconhecido. Tal como expressei no supracitado post do meu blogue, trata-se de Victor Peacock, que nada tinha a ver com a fundação do C.I.F., sendo um ilusionista inglês que visitava, com frequência, o Porto e era colaborador da revista Magia.
O conteúdo deste capítulo não passa de uma cópia (com alguns cortes) da reportagem publicada no primeiro exemplar da revista Magia (Julho 1959).
Capítulo 5 – Quem foram os Primeiros Directores do CIF?
As biografias de Pires de Carvalho, Armindo de Matos e Eduardo Franco foram quase integralmente copiadas do Dicionário do Ilusionismo em Portugal da autoria de JÓNIO (Camacho Barriga), tal como o próprio opúsculo refere em rodapé.
Isso em si mesmo não é um erro, mas quando se muda ou acrescenta um pormenor, acaba por se introduzir erro e confusão no que estava bem.
Foi o que aconteceu na biografia de Pires de Carvalho quando se refere “[...]actuando num espectáculo organizado pela As.P.I.[...]” e “[...]foi sócio da As.P.I.[…]”. (Nota: na obra de Camacho Barriga não aparece As.P.I. mas sim A.P.I.)
Se consultarmos a página 77 onde se encontra a descrição das siglas usadas no opúsculo veremos que não está referenciada nenhuma sigla As.P.I., pois às entidades Academia Portuguesa de Ilusionismo e Associação Portuguesa de Ilusionismo é atribuída a mesma sigla (A.P.I.), o que só ajuda a criar confusão. Mas a sigla As.P.I. não é completamente desconhecida no meio mágico. De facto, quando foi criada a Associação Portuguesa de Ilusionismo (muitos anos após a extinção da Academia Portuguesa de Ilusionismo), muitas vezes a sigla As.P.I. era usada para referenciar a Associação Portuguesa de Ilusionismo para garantir que não houvesse confusão com a extinta Academia Portuguesa de Ilusionismo. Ora, no caso em análise, o erro é demasiado grosseiro, pois o Dr. Pires de Carvalho estreou-se num espectáculo organizado pela Academia Portuguesa de Ilusionismo da qual foi sócio.
Também foi um erro acrescentar na biografia de Eduardo Franco “[…] reactivou uma rotina de Magia Geral, tendo como partenaire, a sua sobrinha Ana Maria Sequeira (NANY).” Ora Ana Maria Sequeira não era sobrinha do Sr. Eduardo Franco, mas sim do Prof. Armindo de Matos, como pode ser visto no Dicionário do Ilusionismo em Portugal que foi fonte de consulta do autor.
Por último, os três biografados já faleceram, mas não houve a preocupação de completar a informação que foi copiada de uma fonte publicada numa data em que todos ainda eram vivos.
Capitulo 7 – Os primeiros 20 anos (1959-1979)
Nas 18 páginas deste capítulo são, basicamente, copiados conteúdos dos relatórios do Clube Fenianos Portuenses. Por um lado, parece-me completamente desnecessário detalhar os locais/entidades onde o Clube Ilusionista Fenianos realizou espectáculos numa publicação deste género. Por outro lado, ao serem “simplificados”, há conteúdos copiados que aparecem como sendo uma duplicação injustificável. A título de exemplo, no ano de 1962, existem duas referências a Associação Nun’Álvares de Campanhã e duas referências a Associação Musical de Miragaia, e , no ano de 1963, aparecem referências em duplicado a Salão Paroquial do Santíssimo Sacramento e Associação Protectora da Infância. Isto acontece porque nos relatórios do Clube Fenianos Portuenses tal informação está expressa em conjunto com a respectiva data de realização do espectáculo e, ao ser eliminada a referência a datas, surge a inevitável duplicação que só seria evitada com uma cuidada revisão, a qual, obviamente, não existiu.
Capítulo 8 – Anos de Ouro
Este capítulo de três páginas de texto e uma imagem cobre quase 30 anos de vida do C.I.F. (de 1980 a 2008) com um GRANDÍSSIMO NADA!…
No texto chamou a minha atenção o seguinte conteúdo: “Também, foi durante estes anos que vimos surgir os ilusionistas que marcaram estes anos: Joferk & Christy, Maury & Tany, The Boal’s, Cardinal’s Magic Show, Eduardo Franco e Nany, Edgar e Teresa, Joy & Lay, Serge & Faty, etc etc, com a particularidade de que constituíam rotinas de palco com as respectivas “partenaires, que normalmente eram as suas mulheres, exceptuando FRANCOF, que era com a sobrinha Nany.”
Então CARDINAL, que havia ganho um prémio no Festival Mágico da Figueira da Foz de 1973 (conforme página 31 do opúsculo), só aparece nestes anos?
E JOFERK que igualmente ganhou um prémio no Festival da Figueira da Foz de 1973 (conforme página 31 do opúsculo) e que foi o grande vencedor do Festival Mágico da Figueira da Foz de 1975 (conforme página 33 do opúsculo) só aparece nestes anos?
Por seu turno, Eduardo Franco & Nany (que realizaram poucos espectáculos) continuavam a não ser tio e sobrinha como o autor pretende fazer crer.
Para encher o GRANDÍSSIMO NADA que é este capítulo, o autor aproveitou para tecer considerações pessoais sobre o “desaparecer do brilhantismo das actuações de palco” e o “grande relevo da stand-up magic e da cartomagia”, considerações que me parecem ser totalmente descabidas numa publicação com o objectivo de sintetizar os 65 anos do Clube Ilusionista Fenianos.
Tal como é totalmente descabida a figura que preenche a página 42 do opúsculo.
Capítulo 9 – A última década e meia (2009 – 2023)
Neste capítulo o autor voltou ao formato usado no capítulo 7, ou seja, referenciar, em cada ano, o que foi considerado mais relevante.
Portanto, no ano de 2009, está referido o seguinte: “Foi também neste ano que as Srªs. Dªs. Madalena Salazar e Zita Reis Boal, colaboraram, juntamente com outros, na actualização do espólio da Secção, seleccionando, limpando, arrumando e organizando as suas Biblioteca e Património, restaurando mobiliário inclusive, onde ficaram as várias peças exibidas para disfrute de todos os Ilusionistas.”. (Nota: 2ª referência a este assunto.)
Também no ano de 2009 foi realizado o 24º Congresso Mundial de Magia FISM e houve a preocupação de referir que o delegado do CIF foi Salazar Ribeiro, que, por mero acaso, é o autor do opúsculo. Em todos os anteriores Congressos Mundiais de Magia FISM nos quais o CIF esteve representado, não houve a preocupação de referir o nome do delegado…
No ano de 2010 está referido o seguinte: “O trabalho de restauro da nova sala da Secção de Ilusionismo prosseguiu durante este ano, pelas Srªs. Dªs. Madalena Salazar e Zita Reis Boal, com outros apoios, por forma a que esta nova valência pudesse ser apresentada aos associados, aquando do Festival de S. João Bosco 2011.” (Nota. 3ª referência a este assunto.)
No ano de 2011 está referido o seguinte: “Continuaram os trabalhos de arranjo e restauro de móveis, livros e restante património na Sala da Secção de Ilusionismo, no 2º Andar, a cargo das Dª. Madalena Salazar e Zita Reis Boal.” (Nota: 4ª referência a este assunto.)
No ano de 2018 aparece, pela primeira vez no livro, referência a confrades falecidos. Até parece que, em anos anteriores, nunca tinham falecido ilusionistas do CIF… Faz todo o sentido esta referência, tal como faria todo o sentido ter referido em anos anteriores, os falecimentos de Arnaldo Brandão Horta, Pires de Carvalho, Armindo de Matos, Eduardo Franco, João Marques Pinto, Magalhães Aguiar, Homero Rocha e outros cujos nomes não me ocorrem neste momento. São falhas imperdoáveis que uma pesquisa cuidadosa, certamente, evitaria. Igualmente é imperdoável a falta de referência, no ano de 1996, ao falecimento de José Carlos Gomes (HORTINY) , que, não sendo associado do CIF, faleceu nos bastidores do palco do Salão Nobre do Clube Fenianos Portuenses, alguns minutos após terminar a sua actuação.
No ano 2020 é feita referência ao falecimento de Fernando Coimbra (JOFERK) e no ano de 2022 é referido o óbito de Fernando Reis Boal (BOAL’S). Sendo estas referências perfeitamente justificadas, já não posso dizer o mesmo da referência feita, em 2022, ao falecimento da Mãe de José António Salazar Ribeiro. Nunca antes haviam falecido Mães de ilusionistas do CIF? Porquê esta referência em concreto? Será por a falecida ser Mãe do autor do livro?
A minha conclusão
Acho que ficou “claro como água” o mau trabalho que foi feito na elaboração deste opúsculo, o que justifica plenamente o título “O C.I.F. MERECIA MAIS E MELHOR!…”
Os erros a apontar a este trabalho não se esgotam no que atrás foi escrito. Mais haveria a dizer, nomeadamente, a nível da ortografia e sintaxe. Muitas vezes tais erros acontecem devido a mau funcionamento de correctores ortográficos (cá entre nós, é sempre uma boa desculpa…). Não sei se foi o caso do único erro desse tipo que irei referir.
Na página 43 (primeiro parágrafo) pode ler-se: “Assim, eis um enxerto:”. Obviamente que o autor queria escrever excerto e não enxerto… Mas por vezes há erros que parecem premonitórios… E parece mesmo que o “corrector ortográfico” nos quis transmitir que, devido ao mau trabalho efectuado, o autor merece um enxerto...