Todos nós criamos, numa ou noutra situação, ídolos que, mais tarde ou mais cedo, nos proporcionam a desilusão de verificarmos que têm… pés de barro! Num canto recôndito das minhas mais antigas memórias mágicas guardo um episódio que decidi partilhar convosco, o qual se pode enquadrar nesta classificação.
Corria o ano de 1972. Ainda eu era um neófito nestas coisas da Magia e começara, havia pouco tempo, a integrar o grupo de mágicos dos Fenianos. Na época era habitual, sempre que um mágico estrangeiro nos visitava (por exemplo para actuar num dos casinos nortenhos), realizar-se um "excursão de mágicos" para o ver actuar e, posteriormente, contactar e conversar sobre Ilusionismo.
Pois nesse mês de Dezembro de 1972 não tivemos apenas a presença de um mágico estrangeiro entre nós, mas sim de um grupo! Tratou-se do espectáculo intitulado “I FESTIVAL INTERNACIONAL DE MAGIA” liderado por Richiardi Jr. que assentou arraiais no Teatro Sá da Bandeira. No final do espectáculo dirigimo-nos à porta de entrada dos artista do referido teatro para cumprimentar Richiardi Jr. e tentar combinar um eventual encontro posterior.
Enquanto esperávamos pela chegada do artista comentava-se o espectáculo e "dissecavam-se" algumas das ilusões apreciadas. Entre os presentes estavam alguns mágicos portuenses que, até essa noite, eu só conhecia de nome (pela rubrica MAGIA por Cardinal, publicada semanalmente no Jornal de Notícias) e que imaginava serem "muito conhecedores", verdadeiros “monstros sagrados” para um recém-chegado às lides mágicas.
Pois a determinada altura, quando se procurava descortinar o truque da cadeira De Kolta (em que Richiardi Jr. era soberbo, diga-se de passagem) um dos presentes (curiosamente, um dos que eu considerava mais conhecedor…) afirmou, peremptoriamente, que conhecia um técnico do teatro e ele já lhe tinha dito como tudo funcionava. E lá deixou esta verdadeira pérola: “Estava tudo muito bem ensaiado e sincronizado. A rapariga saía da cadeira e escondia-se atrás de Richiardi Jr., executando os mesmo passos que ele dava até se aproximar da cortina e poder fugir para os bastidores.”
Desde logo esta explicação me soou a uma enormidade, até porque, nos poucos conhecimentos mágicos que já conseguira obter até essa data, constava a existência de alçapões… mas fiquei calado, pois seria um verdadeiro “sacrilégio” contrariar tão “douto conhecimento”. Até porque nenhum dos restantes presentes contrariou frontalmente a explicação apresentada.
E foi assim que, pela primeira vez, vi os pés de alguns ídolos...